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Você já visitou o seu oftalmologista comportamental hoje?

  • Rodrigo Marchesin
  • 6 de mai. de 2017
  • 4 min de leitura

Durante a corrida espacial, no início dos anos 1960, os Estados Unidos e a antiga União Soviética protagonizaram diversos embates, sempre na tentativa de demonstrar o quanto um era mais evoluído tecnologicamente que o outro. Um caso, em especial, ocorrido em meados daquela década vale a nossa atenção.

A viagem pelo espaço representou um universo de possibilidades, pois era a oportunidade da ciência testar novos experimentos em um ambiente distinto daquele que temos no planeta Terra. Para tanto, em cada um dos estudos a serem realizados, o preenchimento de relatórios era parte da rotina dos profissionais envolvidos nas missões. Até aí, nenhuma grande novidade – não fosse um contratempo enfrentado pelos astronautas, para cumprir tarefa tão trivial: em ambientes com baixa gravidade, o instrumento básico utilizado para preenchimento destes relatórios – a caneta – não funcionava!! Tanto os americanos, como os soviéticos tinham sérias dificuldades para cumprir o seu trabalho de pesquisa.

Os americanos, então, resolveram dedicar esforços, para criar um objeto mais eficiente: uma caneta que funcionasse no espaço. Eis que dois anos depois, e mais alguns milhares de dólares investidos, os americanos, enfim, conseguiram o seu objetivo: fora criada uma caneta que funcionava em ambientes de baixa gravidade!! Os soviéticos, que também tinham o mesmo problema, tiveram outra ideia: usaram o lápis!!

Nos últimos anos, esta história surfou pelas páginas da internet e inundou várias caixas de email, sendo utilizada incansavelmente por palestrantes motivacionais como metáfora do olhar gerencial para a resolução de problemas! Entretanto, a história não é inteiramente verdadeira – sendo apenas uma narrativa distorcida de um problema real que a agência espacial americana (NASA) enfrentara naquela época, por conta dos altos investimentos em uma “caneta espacial” (o grafite é inflamável e a madeira do lápis quebrava-se com facilidade) e a pressão da opinião pública, questionando gastos tão elevados neste tipo de tecnologia. Ainda assim, a história relatada ilustra um comportamento recorrente quando nos deparamos com situações difíceis e a pressão por apresentar uma resposta satisfatória e eficiente: o nosso “olhar” desfocado sobre o cenário!

E o leitor irá me perguntar: “que olhar?”. No nosso dia a dia, deparamo-nos com diversas circunstâncias, onde precisamos tomar decisões: pontuar aspectos negativos e positivos, realizar escolhas, ponderar seus efeitos e, enfim, apresentar uma solução! Acontece que, muitas vezes, o nosso olhar encontra-se desalinhado da realidade e enevoado pelo conjunto de restrições que a situação oferece. Na prática, acabamos por “olhar” apenas o problema e nos “esquecemos” da solução!

Mas o que nos impede de processar as informações disponíveis e produzir uma resposta satisfatória? Inicialmente, é preciso compreender os nossos níveis de atenção e, por fim, quais são os elementos que constituem parte integrante e indissociável daquilo que chamamos de foco.

Para os estudiosos do tema, em particular Daniel Goleman, nosso cérebro possui dois sistemas mentais, que trabalham de forma relativamente dependente, onde o primeiro – sistema ascendente – responde por nossas ações mais involuntárias e intuitivas. Este sistema é também mais veloz em tempo cerebral e responsável por nossas rotinas habituais. O segundo – sistema descendente – trabalha de forma mais lenta e voluntária, constituindo a sede do autocontrole e capaz de aprender novos modelos.

Para perceber melhor cada um destes sistemas, vamos analisar a seguinte ação: imagine-se aprendendo a dirigir um carro. Observe a quantidade de movimentos realizados para cumprir esta atividade, desde manejar o volante, trocar as marchas até verificar o nível de combustível e a velocidade. Neste primeiro momento, quando estamos acessando um conjunto de novas informações, nosso sistema descendente mantém-se ativo, permitindo a aprendizagem das técnicas que permitam a execução da ação. À medida que ganharmos familiaridade com a rotina, ela passará de descendente para ascendente. Ou seja, aqueles movimentos não irão depender mais da nossa atenção e serão realizados de maneira automática.

O interessante, quando compreendemos a dinâmica destes dois sistemas, é como a nossa capacidade de resolver problemas pode surgir decorrente de ações completamente além da nossa percepção. Alguns estudos, analisando o comportamento de atletas de alto nível em competição, explicam que, quando estes indivíduos desviam sua atenção para a dinâmica do próprio movimento, via de regra, cometem mais erros e perdem em desempenho. Por que isso acontece? O atleta, nesta situação, direciona seu “olhar” para algo que não tem relevância naquele momento, ou seja, ele transfere o foco em “cumprir a tarefa” para o “como cumprir a tarefa”.

É comum observarmos isso, até mesmo em nossas tarefas mais banais, como escrever com uma caneta: já percebeu que ao tentar “olhar” para a ação de escrever, somos tomados por uma incapacidade momentânea de realizar aquela ação? Em questão de segundos, como se “lembrássemos” do movimento, voltamos a realizar a rotina. Na verdade, o que fizemos foi ajustar o foco de “como escrever o texto” para “escrever o texto”.

A constatação da relevância dos sistemas de atenção constitui a base para explicar a interação problema-solução. Neste sentido, há um conjunto de elementos interdependentes, que devem estar harmonizados entre si, e precisam ser amplamente observados para consolidar o foco esperado: a percepção de nós mesmos – ou seja, o “olhar” para o “eu” (autoconsciência); o exercício da empatia – o “olhar” para o “outro” (sensibilidade social); e o entendimento do ambiente – o “olhar” para o “mundo” (visão sistêmica).

A correlação destes três “olhares” é condição sine qua non para que o foco seja o mais adequado às condições a que estamos submetidos em nossos desafios do cotidiano. Desprezar ou ignorar algum destes fundamentos, reduz a capacidade de analisar situações e propor soluções compatíveis. Como no dilema enfrentado por americanos e soviéticos, havia um “olhar” diferente sobre a situação: para o primeiro grupo, a questão era resolver o problema do funcionamento do instrumento de escrita; para o segundo, era apenas uma questão de como os relatórios seriam preenchidos! O segredo aí, no frigir dos ovos, não era saber a resposta, mas qual pergunta a fazer: o meu problema é uma caneta que não funciona, ou, o meu problema é o relatório não preenchido?

 
 
 

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