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A Uberização e os mercados eficientes

  • Foto do escritor: Fabio Arten
    Fabio Arten
  • 29 de mai. de 2017
  • 5 min de leitura

A despeito de uma considerável quantidade de discussões, pouco especializada, sobre a precarização do trabalho e, principalmente, a concorrência desleal - que, por sua vez, irá conduzir mercados para o monopólio - como prováveis consequências do surgimento do aplicativo Uber, este artigo explora a verdadeira mudança que a chamada economia de compartilhamento baseada em plataformas de rede trouxe tanto para consumidores quanto para quem oferta este tipo de serviço.

Existe um movimento, no mundo dos negócios, que está provocando uma verdadeira quebra de paradigma. Esta tendência tem recebido o nome de “Uberização”. Segundo o Wikipedia, “Uberização” consiste em uma transição para um modelo operacional onde agentes econômicos trocam ou compartilham ativos ou fatores de produção com capacidade subutilizada, incluindo até mesmo recursos humanos. Esses modelos de negócios operam, usualmente, por meio de uma plataforma de site ou software, e possui uma capacidade impressionante de reduzir os chamados custos de transação na economia. Mas, como – de fato - isso ocorre?

Em um TED Talks de 2016, com mais de um e meio milhão de visualizações (e contando...), Bettina Warburg, pesquisadora proeminente na área de empreendedorismo baseado em plataformas de tecnologia, é extremamente eficaz ao pontuar um dos principais problemas que a humanidade enfrenta, desde que resolveu viver em grupos sociais: “Como humanos, buscamos maneiras para reduzir a incerteza uns sobre os outros de modo a podermos trocar valores”.

Na ideia simples de Warburg reside a complexidade do desafio enfrentado por qualquer empresa que se aventura no mercado. Isto é, para obter sucesso, uma empresa deve desenvolver um modelo de negócio que, ao mesmo tempo, seja capaz de criar, entregar e capturar valor por parte de uma organização, com a devida consideração de que esse processo depende da relação de confiança que a empresa é capaz de criar com seus clientes.

A primeira parte deste desafio complexo foi definida por Alexander Osterwalder em seu Business Model Generation – BMG – que consiste em um modelo conceitual com ótima capacidade de ilustrar a lógica de criação de valor por parte de uma empresa.

No entanto, a segunda parte do desafio que diz respeito à relação de confiança trata-se de um tópico complexo e pouco compreendido, de modo geral, mas que representa um dos aspectos essenciais que diferenciam mercados ineficientes de eficientes: a Assimetria de Informações.

Segundo o economista e professor da Universidade de São Paulo – USP, Carlos Eduardo Gonçalves, a assimetria de informação é considerada uma das principais falhas de mercado e ocorre quando uma parte envolvida em um negócio sabe mais que a outra. O economista alerta que em casos de informação assimétrica entre quem compra e quem vende, transações eficientes podem deixar de acontecer.

Quando se trata de assimetria de informações, os economistas argumentam que a solução para esta falha de mercado reside nas chamadas “instituições”, cuja definição consiste em uma série de restrições humanamente concebidas que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais e são essenciais ao crescimento econômico. Tradicionalmente, os governos, com suas intervenções, promovem o ambiente institucional dos mercados, pois são eles que ditam o conjunto de regras que precisam ser obedecidas na realização de transações no mercado e quais são as organizações responsáveis pelo cumprimento dessas regras.

Assim, mercados com um ambiente institucional de qualidade são aqueles caracterizados por regras que facilitam as interações entre agentes privados e impedem que o governante aproprie-se da riqueza produzida. O economista seminal nesta área do conhecimento foi o norte americano Douglass North que fundou, como consequência de suas ideias, a chamada Nova Economia Institucional.

Em seu argumento, North explica que as instituições garantem os direitos de propriedade, permitem uma redução dos custos de transação e, consequentemente, promovem o crescimento econômico.

Nas palavras de Warburg: “Douglass North observou que instituições são ferramentas para reduzir incertezas de modo a podermos nos conectar e trocar todo tipo de valor em sociedade”.

Sendo assim, para criar, entregar e capturar valor, uma empresa não deve considerar como custos de produção apenas os custos gerados na transformação de recursos de matéria-prima em produtos e/ou serviços para o mercado, mas, também, deve levar em conta quais são os custos de transação que ela impõe ao cliente, relacionados à coleta de informações e contratação ou aquisição de seus produtos ou serviços.

A ideia de assimetria de informação demonstra que há um problema de confiança gerado pela incerteza que compradores e vendedores possuem uns sobre os outros. Enquanto que as instituições, tradicionalmente, são a solução para este tipo de problema pois funcionariam como árbitros que regulam o jogo entre oferta e demanda. Deste conjunto de ideias surge o argumento sobre a necessidade de uma intervenção do governo para facilitar as trocas de valor na sociedade.

É justamente, neste ponto, que a “Uberização” está promovendo uma incrível mudança paradigmática em nossas relações de mercado. Segundo a professora e pesquisadora da Universidade de Oxford nos EUA, Rachel Botsman, “a tecnologia está criando novos mecanismos que nos permitem confiar em pessoas, empresas e ideias desconhecidas”.

Em sua palestra naquela mesma conferência do TED Talks de 2016, Botsman apresenta dados impressionantes sobre o aplicativo de caronas BlaBlaCar ( considerada a maior comunidade de caronas de longa distância!).

A BlaBlaCar transporta mais de 4 milhões de pessoas todo mês!!! Para contextualizar, são mais passageiros do que transportam o Eurostar­ (870 mil) ou a JetBlue Airlines (2.9 milhões). Para Botsman, a BlaBlaCar é um belo exemplo de como a tecnologia possibilita que milhares de pessoas ao redor do mundo deem um voto de confiança. O insight é ainda mais surpreendente se considerarmos uma das primeiras lições que nos ensinam quando dirigimos nossos carros, principalmente em estradas: não dê carona para estranhos!

A pergunta interessante, neste ponto, é a seguinte: qual é a força que nos faz saltar de um lugar seguro e conhecido, para alguém ou algo desconhecido? Para Botsman, essa força excepcional é a confiança.

Segundo Botsman, apesar das várias definições existentes sobre confiança, que podem ser resumidas a um tipo de avaliação de riscos da probabilidade de que as coisas vão dar certo, é mais útil definir o conceito como “uma relação segura com o desconhecido”. Assim, a confiança online tem transformado nossa conduta no mundo real. Por exemplo, todos os dias, mais de 5 milhões de pessoas dão um voto de confiança ao andar de Uber!!!

Botsman discute que aquela confiança baseada em instituições tradicionais, como governos, bancos e grandes corporações é opaca, fechada, centralizada, e com fluxo de informações do tipo “top-down” (de cima para baixo), enquanto que a confiança distribuída e colaborativa de negócios baseados em plataformas online, como o Uber, Airbnb e BlaBlaCar é transparente, inclusiva, descentralizada, e com fluxo de informações do tipo “bottom-up” de baixo para cima.

Nosso comportamento mudou! Estamos confortáveis entrando em carros dirigidos por estranhos, marcamos encontro com alguém que achamos compatível com um deslizar de dedos na tela, compartilhamos nossa casa com pessoas que não conhecemos... e “esse é apenas o começo”, afirma Botsman.

Quando consumimos ou ofertamos serviços por meio do Uber ou do Airbnb, sabemos que caronas ou hóspedes serão avaliados pelos motoristas e anfitriões e vice-versa, assim como também sabemos que essas avaliações poderão impactar nossas capacidades de negociar aqueles serviços no futuro.

Assim, para muito além da discussão retrógrada sobre a precarização do trabalho ou o risco de monopolização de mercado como eventuais (e não comprovadas) consequências da “Uberização”, considero mais produtivo aprender como esses modelos de negócios são capazes de amplificar o potencial de criação de valor a partir de serviços e produtos associados à mecanismos abertos e transparentes com capacidade de resolver o problema de confiança nas relações de mercado, diminuir os custos de transação e, consequentemente a necessidade que temos de intervenção do governo na economia.

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